Quando o final do ano chega,
gosto sempre de pôr os dias e os momentos na balança. Pesá-los. Ponho o ano em
números arredondados e depois passo para as palavras sempre certeiras. Este ano
porém foi ao contrário, tenho números precisos e palavras arredondadas. Um
balanço feito às prestações. Creio que dois mil e doze foi para mim o ano das
distâncias. Não necessariamente boas, não necessariamente más. Digo creio porque
parte deste ano para mim arrastou-se tanto que o ano me pareceu abarcar três.
Os
dias corriam devagar, demasiado devagar. Quando nos dói alguma coisa, o tempo
sempre anda a passo lento. Foi-me o ano das saudades, das ausências e dos
vazios. Foi só talvez o único em que não iniciei triagens e não fui de um
extremo ao outro num segundo. Acumulei. Em casa, nas gavetas, na cabeça, no
coração. Fuligem. Poeira. Foi o ano em que fiquei mais do que parti, em que fui
mais consistente comigo mesma como uma colher em pé numa sopa grossa. E talvez
por isso, tenha sentido a falta do burburinho, aprendido a palavra solidão e
tenha tido obrigatoriamente que engolir a palavra prioridades, aprendê-la. Foi
um ano em que revi conceitos, e em que não me recordo de ter rido mais que chorado, mas sei que o fiz, simplesmente não foi um ano ruidoso, foi um ano de
momentos ruidosos mas na maioria foi-me um ano de silêncio. Sinto agora falta
desses ecos.
Para mim, dois mil e doze foi-me um ano morno a roçar o
estranho, essa é a verdade. Quando olho para trás, sei que comecei o ano com uma
tranquilidade e um espírito cheio que soavam a estabilidade, talvez tenha parado
por um momento para desfrutar dela e isso tenha sido o meu erro, anunciaram-me
quase de seguida que esta não me pertencia. Dois mil e doze foi-me instabilidade
antes do final do primeiro mês. Voltei a riscar a expressão viver com do
meu dia e substituí-a por coabitar. Coabitei muito, a roçar os limites da
saturação. Foi um ano em que as pessoas me foram frias, em que salas e ruas me
pareciam mais geladas que o cenário da idade do gelo, em que foram mais ogres
que o shrek. Há pessoas que percebem menos de laços do que eu que fujo deles a
sete pés depois de uns quantos passos em frente. Foi um ano em que a minha
cólera foi superada pela minha maturidade e distribuí umas quantas lições para
quem as soube apanhar. Fiquei surpreendida com isso, com essa maturidade. Às
vezes, não a esperava. Orgulhei-me disso. Envolvi-me em projectos que me
ensinaram muito, muito mesmo. Escrevi menos aqui, mais noutros sítios, mas ainda
assim menos. Talvez tenha sido mais tripas que poesia e lembro-me de dizer a
dada altura, quero pensar, explodir, digerir, mas ainda não é a hora.
Estou mais transparente, mais frágil talvez por isso
seja mais resistente, aprendi este ano que sentir não é fraqueza, por isso não
desgosto desta minha nova condição. Assusta-me um bocadinho confesso, mas não
desgosto. Fiquei muito triste, senti-me sozinha a precisar desesperadamente de
um abraço. E tive medo. Estava habituada a desfrutar de solitude, solidão era
uma coisa nova. Senti-me a cair numa espiral de desânimo. Depois dei a volta.
Não tenho mais medo de estar sozinha temporadas a fio. Há lugares que não têm
ninguém que nos interesse, temos de aceitá-lo. Acabei com as pessoas de merda na
minha vida, assim a cru. Peguei no telemóvel e fiz-lhe um reset num dia ao
acaso, senti que foi o fim de um percurso e precisava de um gesto. Depois
respirei, soube-me a liberdade. Não podemos ser livres com o passado a
prender-nos, sabem?
Eu sou pelos cadastros mas pelas amarras não. Não tenho medo
de estar sozinha, repito. Já percebi que não podemos criar expectativas porque,
afinal, ninguém vai mudar. Podemos moldar-nos, mas mudar-nos é coisa em que
tenho pouca fé. Então perdoem-me mas eu sou pelas casas, pelas pessoas-casa de
cada um. As conversas de circunstâncias e os fretes podem ser o sustento de
muitos mas o meu não são. Não tenho mais medo de estar sozinha, porque no fundo
sei que nunca o estou. Não tenho de tal modo medo agora que de tempos a tempos
retiro-me do mundo em surdina. O saldo foi-me esse, um prazer secreto, esse, de
enfrentar multidões a sós. Para mim o mais difícil talvez tenha sido mesmo fazer
as malas e partir. Pensar que com o léxico e a sintaxe ia metade de mim embora,
porque eu sou palavras dos pés até às pontas dos cabelos. Então, descobri mais
uma vez que consigo adaptar-me às mais diversas coisas, que a falta de
musicalidade das palavras, faz-me os olhos mais atentos. E o obturador da
máquina menos preguiçoso. Senti saudades de coisas e pessoas que estava longe de
imaginar que as iriam povoar, a elas, às saudades. E senti falta da palavra
saudade mais do que qualquer outra. Descobri que consigo ser eu sem palavras
porque o meu corpo expressa-se bem até num silêncio ensurdecedor, mas não sou
capaz de alvitrar que imagem têm de mim essas pessoas que me conhecem sem elas,
porque eu sem as minhas palavras acho-me menos.
Descobri que já não sou tão
indignada, que desisti de falar quando ninguém quer ouvir, talvez isto queira
dizer, que escolho agora melhor as minhas batalhas, que já não tenho uma sede
ávida por travar guerras. Sou antes aquela que se apaixonou pelos regressos, que
cheira as paisagens e sorri serenamente, que aprende a cada dia a descomplicar e
tende a aceitar cada vez mais as voltas e curvas que a vida vai fazendo nessa
pista de gelo, sem questionar a dança dos patins. Sou muito agora da paz de
espírito com bulício nos cabelos e do porque não? Dois mil e doze foi-me assim
dosagem errada nos temperos.
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