sábado, 18 de junho de 2011

Respirar

Respirar agora é-me pesado. É-me um peso. Respirar agora é-me como desforrar a água de um poço. O ar anda para cima e para baixo. E os braços estão tão pesados. O ar vai tão fundo, vai abaixo da sola dos meus sapatos. Mas é necessária demasiada força para que ele retome à superfície. Demasiada, sim. Como se me afogasse dentro de mim de todas as vezes e tivesse de travar a luta da sobrevivência. Como se não passasse de um ritual macabro dia após dia. Fosse tão tão fundo, tão mais abaixo da sola dos meus sapatos e fechasse os olhos com força para não me calcar e me estalar a carapaça. Ou só para que o mundo não desabe sobre mim. Fosse tão fundo o ar, tão abaixo da sola dos meus sapatos que me soterrasse em memórias. Fosse tão fundo, tão abaixo da sola dos meus sapatos que me enfaixasse em teias de morte em vida. Escombros. E pensar durante toda a queda que me estou a afogar dentro de mim. É um respirar tão fundo que me falta o ar. Afogo-me de todas as vezes e estrebucho para voltar à superfície.
Estrebuchar é difícil, é uma luta robótica em slow motion quando o mundo nos dói. Respirar agora é-me pesado. Talvez porque me dói o cosmos de tanto a cabeça me doer. Respirar agora é-me pesado. Talvez porque as minhas pálpebras pesem mais que eu. Respirar agora é-me pesado. É-me um peso porque eu caio num poço sem fundo que ao espelho tem a minha cara.

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