Minha PIQUInina

Escovo-te o cabelo longo, com o cuidado de como se fosse o meu. Falas devagarinho, em sílabas marcadas pela suavidade e o sonho, enquanto os teus olhos vibram a uma velocidade que ultrapassa, em larga escala, o gesto mecânico, se bem que carinhoso, do meu braço pelo teu longo cabelo. Descreves-me, pausadamente, o que ele te disse no dia anterior, e no dia anterior a esse, àquele e ainda a um outro, num discurso pormenorizado de como, quanto e quem, ele (te) é. Não te apercebes como o gesticular nervoso te atraiçoa, deixando transparecer o sentimento para lá dos trejeitos. O sentimento, esse, dança no teu rosto, no sorriso rasgado de quando dizes o seu nome, as tuas mãos voando em gestos exagerados, amplos de emoção e gosto. Muda, atento na denúncia dos pequenos sinais, os planos que proferes como a uma lei, o pestanejar apressado, corrido, a ânsia do teu Tenho razão, não tenho

Passo a escova para o lado da nuca - vem aí a pior parte - e não te incomoda o rapinar que os dentes do pente declaram, qual guerra travada na coroa do teu pescoço malte. Arrepia-te - mas sem saberes se da escova se de pensar nele, não soltas um só lamurio.

- E agora ?

Vem aí a pior parte, qual guerra gravada na coroa do teu peito agitado. Pouso a escova na mesinha redonda e baixo-me até as minhas mãos pousarem nos teus joelhos, até os meus olhos pousarem nos teus

- Agora ele escolhe-a a ela, meu amor.

As lágrimas, intermináveis, caem-te no colo e abraço-te, interminavelmente, denunciando a vontade de segurar o teu coração, com o cuidado de como se fosse o meu. Deixá-lo limpo, escovado e sereno, à imagem o teu longo cabelo claro que se deita no meu, num abraço choroso.

Não há justiça no amor, como não a há numa qualquer (outra) guerra travada